segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Idosa reflexão de um homem na contramão

No meu tempo de vida de ator pretensamente (?) sério, que vem do final dos anos sessenta, de todo os oitenta, de todo os noventa e de todo os 2000, recomeçando agora em 2011 (Salve!), sempre fui ávido por um telefonema - isto quando passei a ter telefone, em meados da década de 70. Continuo excitado quando ele toca, pode ser um filho em dificuldade ou um chamado de trabalho, o que, para um ator de aluguel, sem projetos próprios, se anuncia como a possibilidade de viabilização financeira por mais um dia, uma semana, um mês. Não consigo conter as batidas eufóricas do meu coração e parto em direção ao ruído telefônico que, por seus misteriosos motivos, está sempre longe do alcance dos meus braços, e o atendo sempre com o comportamento de um ser humano iniciante.
Hoje constato que o telefone se popularizou de forma infinita, são celulares, fixos, rádios e etc, etc, etc. No entanto, na minha profissão, parece que só eu ainda corro a atendê-lo, em seu chamado anacrônico. Noto também que atores jovens, mesmo ainda não bem sucedidos, ignoram o seu chamado com um desprezo absoluto, alguns, já experientes, que, por exemplo, já fizeram malhação na Globo por um ano, parece que não sabem falar através deles e quando a secretária dos mesmos nos atende indica o telefone de um empresário.
Como eu gostaria de ouvir a sua voz, amigo jovem, sem intermediários, de preferência sem telefones, mas olho no olho, até aceito uma carta, tem mais pessoalidade e responsabilidade. Observo que o primeiro agrado da mídia os leva, quase que invariavelmente, a trocar o nº do telefone e, como filtro maior, colocar o nº do empresário para procurá-lo (la). E a mim cabe a frustração de não poder dizer: que belo trabalho você fez ontem, que entrevista maravilhosa, que cena; ou então, simplesmente dizer: te amo.

Tonico (Ator, 62 anos, que em momentos de solidão já comemorou até a chegada da cota de luz, gás e telefone. Um telefonema sempre foi o equivalente a constatar a minha própria existência).

6 comentários:

  1. Parabéns por sua maneira, para mim, inusitada de mostrar-se a um público tão ávido da intimidade dos que tem vida pública. Gostei. Gostei também de sua atuação na peça Hamlet, ao lado do tímido, gentil e talentoso ator Wagner Moura. Ao qual tive o prazer de falar ao final do espetáculo. Seria maravilhoso que os atores, "experientes", que já, até, participaram de malhação, pudessem não só atender ao telefone, mas aprender um pouco de seu talento e ter um pouco da humildade e da simpatia do querido Wagner Moura.
    Se estivesse em sua cidade, com certeza, faria o seu curso. Pois admiro o seu trabalho, desde o Zé Carneiro do Sítio do Picapau Amarelo. Parabén s mais uma vez,pelo Mendonça que também é muito engraçado e receba um abraço virtual da amiga: Valmira Araújo de Pernambuco.

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  2. ei, tonico.
    não peguei teu telefone pra dar este telefonema de "que belo trabalho você fez hoje", mas acredito que eu o faria mesmo por escrito, melhor ainda sendo aqui. vou ler mais desse analfabeto que escreve engraçado e curioso! gostei!
    engraçado que, mesmo tendo atuado mais do que feito qualquer outro trabalho na minha vida (durante 23 anos desses meus 30), ainda engasgo ao dizer que sou atriz (talvez por ter feito malhação por um ano!)... e veja, só, tolinha, digo por aí que sou roteirista, sendo que só escrevi um roteiro sozinha, e nem gosto tanto assim dele.
    mas enfim.
    obrigada pelo teu silêncio que diz tanto, no palco. o que pra você é "aposentadoria", pra mim foi uma boa aula. parabéns a você e a todos pelo belo espetáculo!
    se quiser passar na minha página, fique à vontade.
    beijos e até,
    t.

    (tatiana, filha do paulinho)

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  3. Parabéns, Tonico. Este texto me pareceu um Machado de Assis contemporâneo. Machado, pela forma; contemporâneo, pelo conteúdo. Quero dizer que sobre essas modernidades, ele escreveria mais ou menos assim - crítico, sensível, sutil.
    Beijo

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  4. Tonico. Essa foi muito boa. Olha você sabe que comigo não têm essa estória. Você pode me ligar a hora que quiser, porque caso eu não atenda, vai ter uma gravação com a minha voz. E se por acaso eu não retornei algumas ligações foi porque não tinha recado seu, amigo.
    De qualquer maneira, sempre haverá um restaurante no leme, bairro clássico do teatro brasileiro, no qual poderemos nos encontrar em uma mesa e conversar sobre o paradeiro de cada um de nós.
    Estou aqui. Acompanhando o blog sempre. Quero o livro da sua biografia. Abraços saudosos.
    assinado um ator passional-filha-da-puta

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  5. Serem assediados (se é que realmente o são) a ponto de trocarem de telefone e se esconderem atrás de um empresário, por um rebanho que, com certeza, tambem assiste o BBB, deveria fazer os jovens pretensiosos atores a duvidar do próprio talento.

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  6. (errata): duvidar e não : a duvidar (por via das dúvidas)

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