quarta-feira, 25 de julho de 2012

MINHA CAMBAXIRRA

Eu tinha mais ou menos 9 anos, era 1958 (Brasil Campeão do Mundo pela primeira vez). Saí do Clube de Regatas Saldanha da Gama e me pus a andar pela Beira Rio com destino a minha casa, o vento era fresco. De repente, senti um impacto leve na minha cabeça e depois no meu ombro, assustei-me, mas logo vi que se tratava de um filhote de passarinho, mais precisamente um filhote de cambaxirra, um pássaro pequenininho muito comum na minha Campos de antigamente. Corri pra casa, na rua vinte e um de abril, 155, alimentei a cabaxirra com uma papa de farinha e a contragosto dos meus pais, avós e etc, a coloquei na cabeça, aninhando-a com todo o cuidado. Logo vieram as primeiras tarefas que me eram incumbidas, ora por minha avó, ora por minha mãe. Eu sempre com a cambaxirra na cabeça. - Vá ao armazém e traga 1kg de açúcar! – gritava minha avó. Eu, geralmente, fazia isso correndo, mas nesse dia não, fui devagarinho pra não desequilibrar a bichinha no alto da cabeça. Essas ordens que eu recebia eram sempre acompanhadas de: - E vê se tira esse passarinho daí, ela vai te passar piolho, além de fazer coco nos seus cabelos. Eu nem ligava e ia até o armazém do Sr. Ernani, que me dava 1kg de açúcar e anotava no caderno. Ele me apelidou de Dudu Cambaxirra. Dudu era como me chamavam normalmente, mas agora eu tinha um sobrenome que muito me orgulhava, Cambaxirra, Dudu Cambaxirra. O engraçado é que sempre que levei a bichinha na cabeça não tive piolho e ela só fazia coco quando eu a pegava para dar de comer, muito educada a menina. Pois, passados alguns dias, ela foi evoluindo, começou a dar alguns voos tímidos, depois outros mais livres. Mas, logo retornava a se aninhar nos meus cabelos encaracolados (eu tinha uma puta raíva do Elvis Presley com seus cabelos lisos, eu, e talvez o Caetano Veloso, quem sabe?). Até que um dia ela voou de vez, foi até um galho, olhou para mim como se agradecesse e foi em direção aos céus, foi de vez e para sempre, não precisava mais dos meus fartos cabelos. Enfim, amadureceu. Hoje sou careca, os cabelos também se foram, alguns levados pela cambaxirra, outros optaram pelo suicídio e se jogaram ao chão, não ousei detê-los com nenhum tratamento capilar. Não tenho mais cambaxirra e cabelos, mas, ao contrário dos cabelos, essa cambaxirra nunca me saiu da cabeça, seguirá eternamente em meus sonhos mais puros. Acho que será o amor eterno que levarei em minhas lembranças não passageiras. Saudades incontroláveis povoam a minha cabeça, mas me resta um consolo, tenho certeza que ela se lembrará sempre de mim, como aquele garoto que fez dos seus cabelos encaracolados um ninho para acolhê-la, antes do seu voo definitvo. Tonico.

2 comentários:

  1. Que lindo! Vc tem uma sensibilidade que emociona!

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  2. Não acho do seu perfil. Imagino você, criança e uma atiradeira no bolso... Não. Me enganei. Em todo caso, apesar dos artistas terem uma vasta imaginação, que belo texto!

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