terça-feira, 14 de setembro de 2010
Vamos Jogar
Os resultados artísticos de excelência obtidos por um povo são intrinsecamente arquitetados e construídos pela cultura desse povo. Negar isso, me parece, um ato de suicídio. Entendo o futebol, assim como a música, o cinema, o teatro, as artes plásticas e a dança como manifestações artísticas baseadas na nossa cultura semeada e regada pelo suor do nosso povo.
Bem, o que me incomoda, eu já devia ter dito, é que um povo que trai a sua cultura é um vendilhão insensível, que negocia o seu próprio futuro, muitas vezes, em troca do nada, outras vezes, de algumas latas de cerveja. No futebol, perder jogando com nossas características é sempre triste, mas não é a morte, e será sempre uma derrota respeitada pela nossa enorme legião de técnicos/torcedores, é claro que ganhando estaríamos mais felizes. Ganhar e perder é um privilégio do ser humano, onde ele se faz processualmente maduro para se aproximar do Deus/homem que ele verdadeiramente é.
Reflexões chatas à parte, perder no futebol significa ver a bola/menina, que passa saltitante a nossa frente e que invariavelmente dá as mesmas chances a qualquer peladeiro de seduzí-la com sucesso, tomar a sua decisão, depois de algum tempo de jogo, e se oferecer aos pés do adversário doce e amante, fugindo dos desentendimentos que lhe foram impostos pelo time renegado. À nós perdedores nos restará o caminho de volta em direção ao nosso núcleo cultural sem o estigma da impossibilidade, pois nossa mãe cultura nos abraçará como filhos, que tentaram o melhor, e nos ensinará à sermos mais faceiros, delicados, carinhosos e inteligentes no trato com essa menina/bola volúvel, e então, como aperfeiçoados bailarinos saberemos levá-la aonde quisermos para prazer de todos, inclusive de outras culturas.
João Saldanha, um dia, convocou uma seleção (faz algum tempo) escalando já na convocação as onze feras titulares e as onze feras reservas. Aos incautos de hoje, pode parecer, que ele escalou feras como perseguidores do time adversário, levando-os ao chão e os comendo literalmente até os ossos, como nos tempos do Coliseu Romano. Não, modernos incautos, pensadores e praticantes do futebol aculturado de agora (que ainda poderemos resgatar) eram considerados feras os melhores jogadores da nossa tribo, e como se dizia “comiam sim, a bola”, transformando-a de menina saltitante em mulher amante e apreciadora da delicadeza de nossas feras, apenas denominadas assim pelo virtuosismo que exerciam nas relações com ela.
Hoje, chamam nossos jogadores de guerreiros e dão à eles todo comportamental e pensamento bélico de um pelotão, que não pode perder como se a mãe tivesse sido capturada pelo time inimigo. Gente, é apenas a bola momentaneamente nos pés do outro time. E então, como providência, gritaria o nosso novo e sensível técnico: “Carinho, carinho, Neymar! Faceirice, Ganso! Toca pro Pato, vocês são da mesma tribo! A nossa tribo, que aprendeu desde criança a ter a bola como companheira, até na hora de dormir. Ramires, mestre-sala, Ramires, vamos no rítimo. Robinho, tire a cerveja da cabeça, rapaz. E tire a bola pra dançar.” Ganharíamos noventa e nove porcento dos jogos. A escalação das feras era quase uma unanimidade. A exceção ficava por conta do general de plantão na época, que queria que um tal simpático jogador estivesse nesse ninho de cobras.
No mais, vamos de Mano! Que ele saiba extrair da mãe cultura brasileira esses rebentos, que normalmente ela nos oferece para adoção. Ela sabe fazer jogador como ninguém. Mano, ouça o povo, ele indicará onde colhê-los.
Gritos de guerra e pontapés excusos não são filhos dessa mesma cultura, que cria sem descanso relações belíssimas entre homens e bolas.
Salve Garrincha!
Tonico Pereira